quarta-feira, 30 de novembro de 2011

.vivo para as coincidências

o mundo é grande, enorme.
nós somos pequenos ,mínimos, remotos !

Cada um de nós é um nada, um nada que se cruza com centenas de outros nadas diariamente .

vivo para as coincidências.
para aquele instante em que um nada se encontra com outro nada em situações distintas, horas distintas, humores distintos.

Se eu sou nada,
Se a rapariga que me lembra Portugal e vislumbro numa janela do metro é nada.

Só me resta sorrir
Quando a encontro na mesma paragem diária que eu.

Porque este nada juntou-se aquele nada.
De todas as pessoas que circulam num metro por dia, de todas as carruagens que o metro tem, da quantidade de possibilidades diferentes que poderiam ter acontecido.

Este nada cruzou-se com o outro nada no mesmo dia.

E isso, a mim, deixa-me a sorrir.

Porque mesmo sendo um nada, sou um nada que vive do acaso.
e vive para o acaso.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

.espera

Sentou-se à janela .
Tinha vestido as melhores roupas, o vestido imaculado , as meias novas,o sapato reluzia e o casaco ainda sem borboto.
Tinha guardado para uma ocasião especial.

Alisou o vestido com calma, decidida. Desde que tinha acordado que sabia.

Sentou-se à janela, viu mais uma vez o mundo a passar.

Sentou-se à janela, endireitou a espinha vertebral - senta-te direita filha! - inspirou aquele momento.

Sentou-se à janela. Desde sempre tinha controlado a sua vida.

Também tu serás controlada. Não precisava mais esperar, tinha chegado a sua vez.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A ler

"O que me inveja não são esses jovens, esses fintabolistas, todos cheios de vigor. O que eu invejo, doutor, é quando o jogador cai no chão e se enrola e rebola a exibir bem alto as suas queixas.
A dor dele faz parar o mundo. Um mundo cheio de dores verdadeiras pára perante a dor falsa de um futebolista. As minhas mágoas que são tantas e tão verdadeiras e nenhum árbitro manda parar a vida para me atender, reboladinho que estou por dentro, rasteirado que fui pelos outros. Se a vida fosse um relvado, quantos penalties eu já tinha marcado contra o destino?"

[Mia Couto - "O Fio das Missangas"]